Juiz de Fora

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O Panótico vê aqui e agora (246)


O guia pervertido do cinema
(2006)



"Nossos desejos não são naturais. Nós somos ensinados como desejar. O cinema é a mais pervertida das artes. Ele não nos dá o que desejamos. Ele te diz como desejar" (Slavoj Zizek)

Slavoj Zizek é um filósofo e psicanalista esloveno. Já conhecia a peça rara de forte sotaque por meio de um documentário sobre a banda eslovena Laibach (1992), quando ele analisou a importância do grupo como arte antitotalitária, ainda que de um modo um pouco caricato. Mas o homem é brilhante. Neste guia pervetido do cinema, ele faz uma análise psicanalítica de como o cinema elabora os nossos sonhos. Não tenho formação em Psicologia, então opto por reproduzir as suas falas em diversos clássicos do cinema. Daqui para a frente vai ser impossível eu ver filmes da mesma maneira. Diferentemente dos dois documentários de Martin Scorsese, já resenhados aqui, o foco não é tanto a narrativa filmográfica e a evolução do cinema como indústria, mas como o cinema nos manipula. Sensacional. Para cada citação há uma cena que demonstra o raciocínio exposado.


Em Possessed (1931), uma moça pobre e provinciana se aproxima de um trem em marcha lenta e vê um casal dançando, um cozinheiro preparando um jantar, garçons servindo a mesa, uma moça se embelezando: "os sonhos do espectador são elevados a um nível mágico. Isto é cinema na sua mais pura forma".

Sobre Matrix (1999): "Se algo se torna muito traumático, muito violento, ou até muito cheio de gozo, as coordenadas de nossa realidade se estremecem, precisamos transformar isto em ficção".


Em Pássaros (1963), o protagonista está dividido entre a namorada e a mãe possessiva. o ataque dos pássaros representa o "Superego materno, a figura da mãe decidida a evitar a relação sexual. Os pássaros são energia incestuosa em estado puro".


Em Psicose (1960): "Podemos entender este filme em três níveis: primeiro andar, térreo e porão. Estes espaços reproduzem os três níveis da subjetividade humana. O térreo é o Ego, o andar de cima é o Superego (a mãe morta), e a despensa (porão) é o Id, o reservatório das pulsões ilícitas."

Norman transfere o cadáver da mãe do Supergo para o Id. Freud achava que havia uma estreita conexão entre o Superego e o Id. A mãe de Norman se recusa a ser transferida para a despensa (fruit cellar) e sai com esta: "Você acha que sou suculenta"?  Segundo Zizek, o Superego obscenamente estabelece padrões impossíveis de serem cumpridos gerando culpa no indivíduo.



Em Diabo a quatro (1933): "Groucho, com sua hiperatividade nervosa, é o Superego. Chico, racionalista e egoísta, é o Ego. Harpo, o mudo (as pulsões são silenciosas) é o Id. Harpo é o mais infantil, ele quer o tempo todo brincar, mas ao mesmo tempo é o mais agressivo. Esta combinação de corrupção absoluta e inocência é o que o Id é."



Em O testamento de Doutor Mabuse (Fritz Lang, 1933), O exorcista (1973) e Alien (Ridley Scott, 1979): "Há um desequilíbrio entre nossa energia psíquica, chamada de libido por Freud, essa energia imortal inesgotável, e a pobre realidade, finita e mortal dos nossos corpos. (...) A lição que devemos aprender, e os filmes tentam evitar, é que nós mesmos somos os alienígenas controlando nossos corpos. A humanidade significa que alienígenas controlam nossos corpos animais."


Em O grande ditador (1940) "Ninguém estava mais consciente da nossa voz não como meio sublime, etéreo, de expressar a profundidade da subjetividade humana, mas a voz humana como um invasor estrangeiro do que Chaplin. Chaplin atua com dois personagens: o barbeiro judeu, a figura do vagabundo que representa o cinema mudo. Os personagens do cinema mudo são basicamente como os de desenho animado, eles não conhecem a sexualidade, eles não conhecem a morte, ignoram o sofrimento, eles simplesmente vivem as suas pulsões orais egoístas. O mal é ingênuo, eles são egoístas, querem apenas sobrepujar os outros, não há propriamente culpa. O que conseguimos com o som é interioridade, profundidade, culpa."

Bem, o meu superego me manda ficar mais algumas horas resenhando o filme, mas o meu Id me diz que está tarde e ainda quero ver o restante (mais duas horas) destas análises suculentas...

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